Hayrton Rodrigues do Prado Filho –
O problema surgiu em razão de acidente oriundo de contato com fio de alta tensão da concessionária, que ocasionou a morte do filho de demandante da ação. Deve-se ressaltar a aplicação da legislação consumerista à hipótese, tendo em vista que a ré é fornecedora do serviço de energia elétrica, tendo sido o autor vítima do evento danoso, a despeito da existência de norma específica sobre o assunto.
Ou seja, houve o descumprimento da norma técnica e, mesmo que algumas instituições continuem a defender, de forma irresponsável, a voluntariedade das normas técnicas, deve-se observar que elas são elaboradas em procedimento de consenso pelos diferentes setores, com representantes da atividade privada, consumidores e representantes de órgãos públicos, que compõem a atividade produtiva e de serviço. A afirmação de que a norma é, por princípio, de uso voluntário, mas quase sempre é usada por representar o consenso sobre o estado da arte de determinado assunto, obtido entre especialistas das partes interessadas, é uma defesa do caos do mercado de produtos e serviços, com sérias consequências aos direitos fundamentais dos cidadãos.
As normas são impositivas para todos os setores, uma vez que são homologadas e publicadas, em razão do fundamento de sua expedição e de sua finalidade. Em razão dessa expressa atribuição normativa, contida em textos legais e regulamentares, e qualificada como atividade normativa secundária, delegada pelo poder público, a norma técnica brasileira tem a natureza de norma jurídica, de caráter secundário, impositiva de condutas porque fundada em atribuição estatal, sempre que sinalizada para a limitação ou restrição de atividades para o fim de proteção de direitos fundamentais e do desenvolvimento nacional.
Desta forma, no caso analisado, aplica-se à hipótese o instituto da responsabilidade objetiva, uma vez que o fato deve ser qualificado como fortuito interno, risco inerente à própria atividade desenvolvida pela ré. Assim, cabe ao autor provar apenas a conduta, o dano e o nexo causal. Por outro lado, nos termos do art. 14, § 3º, Código de Defesa do Consumidor (CDC), a responsabilidade da concessionária só estaria excluída diante da comprovação de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros.
No caso concreto, a prova documental trazida aos autos comprova a causa mortis do filho do demandante, descrita no atestado de óbito acostado à inicial, que aponta sendo por eletropressão. Para entender o processo, a prova pericial constante dos autos concluiu de forma inequívoca e sem margem de dúvidas, acerca da falha na prestação do serviço da empresa: isto posto, após análise dos autos e diligência no local, é possível concluir que o acidente fatal, que vitimou Marcio Bezerra, teve como origem a não observância pela concessionária da letra c da NBR 5434 de 03/2009 - Redes de distribuição aérea urbana de energia elétrica, que estava em vigor na época dos fatos: se não for possível manter os afastamentos especificados neste desenho todos os condutores cuja tensão exceda a 300 V, fase terra, deverão ser protegidos de modo a evitar contato acidental por pessoas em janelas, sacadas, telhados ou cimalhas.
Houve recurso contra a decisão de segunda instância, mas se conclui que a concessionária é a responsável pelo funcionamento do serviço e manutenção da rede, devendo responder por eventuais danos decorrentes da má prestação do serviço ou da prestação em desacordo com a norma técnica vigente. Assim sendo, se mostra inequívoco o dano causado ao autor, configurando ato ilícito a ensejar o dever de indenizar. a configuração do dano moral é inequívoca já que o acidente vitimou o filho do autor, que veio a falecer em decorrência do acidente, restando apenas analisar o quantum indenizatório arbitrado.
Enfim, os leitores devem entender que as funções normativas são eminentemente estatais o que quer dizer que as normas podem ser equiparadas, por força do documento que embasa sua expedição, à lei em sentido material, uma vez que obriga o seu cumprimento. O estabelecimento das normas técnicas tem a finalidade de garantir a saúde, a segurança, o exercício de direitos fundamentais em geral das pessoas, além de ser o balizamento nos projetos, na fabricação e ensaio dos produtos, no cumprimento dos mesmos pelos compradores e consumidores e na comercialização interna e externa de produtos e serviços.
Hayrton Rodrigues do Prado Filho é jornalista profissional, editor da revista digital AdNormas https://revistaadnormas.com.br, membro da Academia Brasileira da Qualidade (ABQ) e editor do blog https://qualidadeonline.wordpress.com — hayrton@hayrtonprado.jor.br